Sábado, 15 de Agosto de 2009
Há muito muito tempo... quando tinha 17 anos fui estudar para a cidade. Conheci uma colega de escola, que passava despercebida não fosse a magia que transmitia só ao passar ao lado. Não sei se eram os seus olhos verdes ou aquele sorriso sincero que não hesitava em brilhar. Não foi a sua amizade que me marcou, ou a paixoneta que tivemos ou até o sorriso que me ficou de recordação da sua passagem pela minha vida. Ela ensinou-me a diferença entre fortuna e riqueza.
Por se tratar de uma história verídica, vamos dar-lhe um nome para a distinguir, vamos chama-la de Laura.
Laura era uma rapariga alegre, risonha mas notava-se uma certa distracção como que encandeada por algum pensamento. Era membro de uma família importante economicamente apesar de não se notar na sua forma de ser e de vestir. Fiquei surpreso quando aquela rapariga simples me convidou para ir a sua casa ;) e me vi diante das portas daquele casarão. Mas notei que os seus olhos perdiam brilho ao entrar naquela casa.
Era outra Laura, inquieta, triste, atormentada. Disse-me para irmos rapidamente para o seu quarto e descobri o porquê da sua reacção. A sua mãe.
A mãe da Laura era uma senhora ricaça que nunca teve de trabalhar, pois tudo provinha da herança e, abituada aos caprichos da boa vida tinha-se convencido que era intocavel e por isso, pensava que tinha o direito de controlar toda a gente como lhe apetecesse. "Assaltou-me" na primeira sala fazendo um sem fim de perguntas pessoais e olhando de nariz empinado com ar depreciativo. Mas notei algo errado, nunca tinha estado antes numa situação idêntica e naquele momento a minha capacidade de reacção era equitativa à minha tenrra idade.
Transposta a barreira matriarcal, fomos para o quarto "estudar". Era uma pequena divisão, muito simples comparativamente com o resto da casa. Laura dirigiu-se à casa de banho para poder trocar de roupa e vestir algo mais comodo visto não poder sair mais de casa. Essa expressão "não poder sair mais de casa" marelou-me os ouvidos. Que se passa nesta casa? perguntei inquieto, intrigado e com desejos de saber a verdade. Laura despiu-se e trocou de roupa. Num descuido ;) dela pude reparar numa enorme mancha no seu braço, era uma ferida profunda que depressa se tapou com a nova camisola (na semana passada vi que ainda tem a cicatriz). Ao por a roupa num cesto caiulhe um par de calças, o qual recolhi e ao fazê-lo, piquei-me. Espreitei e vi algo horrivel. As calças estavam remendadas por dentro com uma especie de gesso e cola. Por fora parecia apenas roto mas por dentro deixava marcas nas pernas de Laura.
-Laura, o que é isto?
-Não te preocupes G.
-Como posso não me preocupar? Estás toda ferida. Tens uma ferida no braço e estas calças magoam-te nas pernas. Como remendaste as calças assim? Compra outras.
-Não fui eu que as remendei... e quem me dera poder comprar outras. -disse olhando tristemente o infinito. -Inclusivamente terei de abandonar os estudos...
E assim começou a contar-me a sua vida. Laura era adoptada. Pela idade, os seus pais poderiam ser seua avós, mas naqueles anos 80, em que o dinheiro e as influências dos ricaços pagavam tudo, isso não era problema. A sua mãe, uma mulher dominante e manipuladora, humilhava-a constantemente dizendo coisas como "és de uma raça inferior à minha...", "recolhi-te do lixo e deverias estar agradecida...", e outros insultos piores. Até com os ciumes que tinha da relação dela com o pai, que era o unico que a ouvia, proibia-a de estar só com ele dizendo que era um homem e ela uma mulher... isso a uma criança de 8 anos, idade que Laura recorda ter sido o inapropriado episódio.
Não podia comprar roupa nem nada, apenas recebia uma ridicula mesada de 3 contos, que para aqueles que não se recordam do escudo, seria mais ou menos 15 euros. Laura, relatou-me os seus maus tratos fisicos e psicologicos, os ciumes de sua mãe porque ela sempre quiz ser bonita e nunca o foi... ao contrário Laura sempre foi um anjo. Mesmo vivendo num inferno era um belo anjo...
-G, vou ter de abandonar os estudos porque apenas me pagam a matricula e não posso viver com 3 contos por mês, fotocópias, livros, etc. Vou embora, já sou maior e ofereceram-me trabalho na discoteca com o qual espero poder poupar e aí sim, continuar os estudos...- fez uma pausa e abraçou-me banhada em lágrimas. - agora quando fores embora, não voltarás a esta casa porque ela escolhe com quem posso estar ou não e apenas gosta de pessoas como ela... e nem tu nem eu somos como ela. Somos muito mais ricos, temos a verdadeira riqueza.
Parecia impossível a força que emanava dela. Certo é que a proibiram de falar comigo ou ver-me, mas cedo se livrou desse dominio e partiu. Fez uma mala, deixou as chaves de casa na mesa e saiu daquela ilha num Sábado de tarde de um mês de Abril.
Não pôde terminar os estudos porque tinha de sobreviver, mas não vive mal e concluiu com esforço um curso de formação profissional, financiado pelo seu esforço e determinação. A tão falada crise também a afecta, mais que a qualquer um, mas estará sempre agradecida por ter escapado daquele inferno e sobreviver às portas do céu. Não conheço ninguém que seja tão rica com tão pouco.
Quero fazer aqui uma homenagem a todas as crianças que nesses tempos foram maltratadas e não tinham atenção. Essas crianças que a assistência social não os protegia porque eram bens, como podia ser o carro ou o cão. A todas essas crianças que hoje são homens e mulheres, quero pedir perdão por uma sociedade que tardou a evoluir (?), que não os soube ouvir e que lhes roubou a infancia merecida.
Parabéns Laura, conseguiste. Tenho pena de outros que não tiveram a tua coragem.
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Sexta-feira, 7 de Agosto de 2009
Era uma vez um monge que vivia perto de uma aldeia. Um dia vieram os homens da aldeia para o linchar porque tinha engravidado a filha do governador. O monge sorriu e não disse uma palavra.
Bateram-lhe até desmaiar e deixaram-no na margem do rio.
O monge sobreviveu e curou as suas feridas. Poucos meses depois bateram à sua porta e deixaram-lhe o bebé da filha do governador. O monge sorriu e sem dizer uma palavra pegou no menino, tratou dele, cuidou-o, alimentou-o, ensinou-o e viu-o crescer forte e saudável.
Passados muitos anos, a filha do governador que já era mais mulher que filha, assim como o seu pai já não era governador, foi bater à porta do monge.
Disse-lhe que vinha buscar duas coisas: primeiro o seu perdão, porque ela acusou-o sabendo que era o único ser humano da aldeia capaz de tratar do bebé… e em segundo vinha buscar o seu filho, pois já era maior de idade e podia lidar com a ira do seu pai e tratar do menino.
O monge sorriu e sem dizer uma palavra, entregou-lhe o menino.
Por vezes, o “menino” que temos de cuidar é uma mentira necessária para que outra pessoa sobreviva na sua própria história pessoal.
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Sábado, 1 de Agosto de 2009
Se pudesse voltar atrás e mudar algumas coisas na minha vida, voltava.
Não mudaria muito, não mudava os grandes erros dos quais retirei valiosos ensinamentos. Ficaria pelas tontices sem significado que não me ensinaram nada e me fizeram perder tudo aquilo que era realmente importante nesse momento.
Mudava os momentos em que magoei. Não para mudar o curso que seguiu a vida depois das minhas acções mas sim para tirar um pouco do sofrimento a um mundo que já tem muito.
Gostava de inventar uma palavra, parecida com perdão, para a oferecer aqueles em que em algum momento pude fazer sofrer com as minhas palavras e acções. Não para que me perdoassem e fazer de conta que não tinha acontecido nada, isso não é o que pretendo, mas que essa palavra apagasse a dôr causada aos outros e que as consequencias dos meus erros afectassem apenas a minha vida.
Procuro o porquê do meu ser e não encontro, não posso culpar ninguém pelo mal que fiz na vida e não encontro explicação para ter dado certos "passos" no caminho errado. Nunca foi a minha intenção.
Apenas peço que a dôr por mim causada a alguém deste mundo se converta num mundo melhor, numa felicidade sincera e que as lágrimas apenas cubram o meu rosto.
sinto-me: 
arrependido